Título: Boas Festas
Compositor: Assis Valente
Ano: 1932
É paradoxal que "Boas Festas", a única música natalina brasileira que deu certo, tenha sido composta pelo baiano Assis Valente, um dos autores mais atormentados da Música Popular Brasileira. Não por acaso, "Boas Festas"é também uma das canções mais tristes entre as que são cantadas nesta época. Não há em sua letra o lirismo ou bom-humor, e até ingenuidade das músicas norte-americanas ou europeias.
É difícil entender a razão de "Boas Festas" competir com "Noite Feliz" (Stille Nacht, Silent Night, Heilige Nacht), "White Christmas", e outros clássicos do cancioneiro importado. A canção é de 1932, portanto, agora em 2014 completou 82 anos, e foi lançada, em 1933, por Carlos Galhardo, com acompanhamento da Orquestra Diabos do Céu, regida por Pixinguinha.
É difícil entender a razão de "Boas Festas" competir com "Noite Feliz" (Stille Nacht, Silent Night, Heilige Nacht), "White Christmas", e outros clássicos do cancioneiro importado. A canção é de 1932, portanto, agora em 2014 completou 82 anos, e foi lançada, em 1933, por Carlos Galhardo, com acompanhamento da Orquestra Diabos do Céu, regida por Pixinguinha.
Enquanto "Noite Feliz" (Joseph Mohr e Franz Grüber, adaptação de Alberto Ribeiro), por exemplo, evoca o Menino Jesus, paz, sinos bimbalhantes, "Boas Festas"é uma crítica social, um desabafo, amarga, que reflete o que se passava pela cabeça de Assis Valente.
Ele foi mulato pobre, adotado por uma família de brancos do recôncavo baiano, compositor e protético. Em sua música, sinos não bimbalham, gemem, e o Bom Velhinho, só é bom para uns:
Já faz tempo que pedimas o meu Papai Noel não vemcom certeza já morreuou então felicidadeé brinquedo que não tem
Numa entrevista de 1936, Assis Valente contou como lhe veio a inspiração para "Boas festas":
"Eu morava em Niterói, e passei aquele Natal sozinho. Estava longe dos meus e de todos em uma terra estranha. Era uma criatura esquecida dos demais no mundo alegre do Natal dos outros. Havia em meu quarto isolado, uma estampa simples de uma menina esperando seu presente, com seus sapatinhos sobre a cama. Eu me senti nela. Rezei e pedi. Fiz então Boas festas. Era uma forma de dizer aos outros o que eu sentia. Foi bom, porque de minha infelicidade tirei esta marchinha que fez a felicidade de muita gente. É minha alegria de todos os natais. Esta é a minha melhor composição!"
Mas por que Assis Valente consideraria "Boas Festas" sua melhor canção? Por ela ser tão confessional? Por virar sua alma pelo avesso? Ou mostrá-la pelo lado correto? Por retratar o homem amargurado, cuja vida tinha uma face oculta, o homossexualismo não assumido? Um compositor que quase sempre cantava a alegria, com letras bem-humoradas, e que foi um dos mais bem-sucedidos do seu tempo.
São de Assis Valente: "Brasil Pandeiro", "Boneca de Pano", "Camisa Listrada", "E o Mundo Não Se Acabou", "Fez Bobagem", "Maria Boa", "Quero Um Samba" (Com Júlio Zamorano), "Uva de Caminhão", para citar umas poucas. Sua grande intérprete foi Carmem Miranda, mas foi gravado por quase todos os astros da era do rádio.
O cronista do cotidiano, das mazelas dos amores feitos, desfeitos, complicados, nunca foi tão abertamente ele próprio quanto em "Boas Festas". Nada mais incisivo do que o Natal para mexer em feridas da alma. Talvez a outra música em que Assis Valente mais fala de si mesmo seja a engraçada "Pão Duro", uma marchinha lançada, em 1946, por Luiz Gonzaga.
Carmen Miranda e Assis Valente |
Em dezembro de 1968, Caetano Veloso ousou, diante das câmeras, a lendária interpretação de "Boas Festas", com o AI-5 pairando sobre sua cabeça. Foi a derradeira apresentação do programa tropicalista "Divino Maravilhoso", na TV Record.
Caetano Veloso cantava: "Anoiteceu / o sino gemeu…" segurando um revólver que apontava para a própria cabeça. Assis Valente passou anos, metaforicamente, com um revólver apontado para a cabeça. Em maio de 1941, tentou o suicídio pulando do Corcovado mas, milagrosamente, se salvou, resgatado pelo Corpo de Bombeiros.
Em 11 de março de 1958, tomou veneno com guaraná, e teve uma morte de letra de bolero mexicano, tombou na relva da Praia do Russel. O repórter Francisco Duarte, que anos mais tarde escreveria, com Dulcinéa Nunes Gomes, a biografia "A Jovialidade Trágica de Assis Valente", passava pelo local, e viu o corpo do compositor, arrodeado por populares. Perguntou a um policial o que havia acontecido. A resposta: "Suicídio. Um protético que tinha laboratório na Cinelândia. Matou-se por dívidas. Parece que se chamava José!"
Para conhecer mais sobre a vida e obra de Assis Valente visite o blog Famosos Que Partiram.
Boas Festas
Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade pra você me dar
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem
Fonte: Jornal do Commercio