Drão
Gilberto Gil
1981
Gilberto Gil escreveu a música em 1981, poucos dias depois de sua separação com Sandra Gadelha. A letra é uma parábola sobre o amor, que não morre - e sim, se transforma. Assim como o trigo, ele nasce, vive e renasce de outra forma. Há referências à cama de tatame onde o casal costumava dormir ("cama de tatame pela vida afora") e aos três filhos frutos do relacionamento deles ("os meninos são todos sãos").
A música composta em 1981 foi gravada em 1982. Há 33 anos, Gilberto Gil gravou "Drão". Mas quem era "Drão"? Eu ouvia "Drão", e a música não me dizia nada.
"Drão" foi o apelido dado por Maria Bethânia para Sandra Gadelha, que, na época da composição da música, estava se separando de Gilberto Gil. A música completa 33 anos e continua universal. Hoje, percebo ser uma das mais belas músicas de separação já escritas. Escrita para desmentir a história que a separação é o fim do amor e o começo de desamor, mas de um amor que se transforma e se eterniza.
"Drão"é uma história de amor, ou melhor, de uma separação. Contando-a, eu me transformo, sem querer, em advogado do nosso ex-ministro da Cultura, para lhe salvar da burrice de gente como a minha pessoa que não entende, às vezes, um poeta tão profundo, capaz de compor "Se Eu Quiser Falar Com Deus", a qual Elis Regina interpretou como se fosse uma evangélica norte-americana. Ou então "Testamento do Padre Cícero", uma joia rara que poucos conhecem.
Gilberto Gil, no disco "Todas as Letras" (Cia das Letras, 2000), diz:
"Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso - o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra - e para mim. 'como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?', eu me perguntava!"
Gilberto Gil e Sandra Gadelha 'Drão' em Londres durante o exílio entre 1969 e 1972. |
Sandra Gadelha, como inspiradora da canção, conta a história de como Gilberto Gil lhe mostrou a música, numa reportagem da revista Marie Claire:
"Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal Costa, morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano Veloso. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei.
Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já 'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.
Nos separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar.
A primeira vez em que ouvi 'Drão' depois que Pedro, nosso filho, morreu (num acidente de carro em 1990, aos 19 anos) foi quando me emocionei mais. Com a morte dele a música passou a me tocar profundamente, acho que por causa da parte: 'Os meninos são todos sãos'. Mas é uma música que ficou sendo de todos, mexe com todo mundo. Soube que a Preta, nossa filha, chora muito quando ouve 'Drão'. Eu não sabia disso, e percebi que a separação deve ter sido marcante para meus filhos também. As pessoas me dizem que é a melhor música do Gil. Djavan gravou, Caetano também. Fui ao show de Caetano e ele não conseguia cantar essa música porque se emocionava: de repente, todo mundo começou a chorar e a olhar para mim, me emocionei também. E, engraçado, Caetano é o único dos nossos amigos que me chama de Drinha."
O curioso é que o próprio Gilberto Gil era um dos poucos da roda de amigos que não chamava a mulher de Drão. Ele e Caetano Veloso a chamavam de "Drinha".
Drão
Drão!
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura
Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão!
Drão!